segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mostarda Alemã

Meio que de repente, de dentro de um arbusto, saltou um avestruz do tamanho de um coqueiro anão, gritando a língua das avestruzes, que só elas próprias e as crianças entendem, e fazendo um rebuliço, que não fosse pelos gambitinhos rosas, poderia ser uma paródia do lago dos cisnes.
- Olha mamãe, parece com você! - Disse inocentemente o pequeno que se agitava de animação com a descoberta de um novo mundo.A mãe, tadinha, parecia mesmo... e como era de se esperar, esmurrou seu filho sem pestanejar, mas não imaginava o que lhe cabia logo após. A cena que se seguiu jamais poderia ser esquecida. Com um giro magistral e desenhado, a avestruz (já havia-se descoberto que era fêmea) tascou uma bicada lacônica na jugular da madame mamãe, sem lhe dar chance de vida para contar história. O menino passou a ser criado pela avestruz, que sempre se ocupou da melhor forma em criá-lo bem. Cresceu tendo bons estudos, sempre muito ligado à família, era o único na face da terra capaz de se comunicar com as avestruzes (sem contar as crianças, claro. Mas estas depois esqueciam e achavam que tudo não passara de ilusão e inocência infantil). Os almoços de fim de semana eram regados a frango à passarinho, especialidade da classe que tinha orgulho de dizer que não provinha dos galináceos, apesar de algumas controvérsias.
Com o tempo, o garoto foi se tornando bem sucedido em seus negócios e ganhando respeito no mercado de ovos. Sua família produzia e ele os comerciava. Um ovo de avestruz não saia por menos de dez moedas de prata. E o de sua linhagem girava em torno de vinte, tamanha era a qualidade de sua clara. O garoto que virara comerciante se deparava com um mundo de possibilidades, até certo dia... quando conheceu uma garota, humana. Seria a primeira de sua vida. Sua família não foi tão condescendente quanto ele esperava. Não aceitavam de jeito nenhum aquela gente que fedia a colônia de terceira, aquela espécie que cismavam em criar cabelos distintos, cada vez mais se assemelhando a catatuas e calopsitas, inimigas mortais das avestruzes. Não, tudo menos isso, uma humana jamais. O que havia de errado na capivara que haviam lhe apresentado verão passado, todos acharam que os dias que passaram juntos à beira do rio tinham lhe marcado...
O Homem entrou em surto, gastou todas suas finanças em um navio e levou sua família toda para uma viagem pelos sete mares. Seria ele o capitão e a mulher, que se chamava Marilu, seria sua concubina. Quando souberam o nome da humana o rebuliço foi maior ainda, não aguentariam muito tempo vendo Marilu botando ovos pela cloaca. Ah, quase esquecia, ela era humana, mas possuía essa peculiaridade, sua qualidade de mamífero havia sido transmutada e, após um consumo exagerado de transgênicos, começara a pôr ovos.Depois de um mês e meio no navio, todos mareados e já meio desbotados pelo sol, a desordem reinava, todos se odiavam e, a cada parada, havia novas reclamações da comida que ele trazia para dentro do flutuante. Depois de todo esse imbróglio familiar e amoroso, Marilu dava sinais de que sua cloaca estava fraquejando, ameaçava a começar a colocar ovos pelo …
- Não! Isso nunca! - gritou o capitão – Ela é uma mulher de respeito, vem de uma família fina!- Foi então que ordenou em alto brado – Soltem as avestruzes pelo convés! Espalhem a mostarda pelos canhões já! - Era uma receita antiga que sua família lhe ensinara para fortificar os ovos, mostarda espalhada em objetos bélicos.Não só Marilu ficou encarregada de limpar os canhões até se sentir saciada, a família inteira aproveitara para encher um pouco o pandulho e se deliciar com o famoso “canon à la moutarde” que não era feito desde que vovó Bolena perdera a cabeça. Ao final da orgia gastronômica todos haviam caído para os lados, semi-mortos, restando apenas o capitão em pé e saudável. Seu espanto e pavor eram imedidos, seu semblante agora lembrava algo entre um pinguim e um rinoceronte no cio. Conseguia distinguir um único movimento no meio do pré-cemitério, era sua mãe que apontava para o livro de receitas e sibilava em tom derradeiro, apontando para a sessão “venenos”, ”Era mostarda alemã...”.

Daniel de Lima Fraiha

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