sexta-feira, 21 de setembro de 2007

CONCURSO CULTURAL “CRÔNICA DO LEITOR”.

OBJETIVO: ESCREVER O FINAL DA CRÔNICA INICIADA PELO CRONISTA JOÃO PAULO CUENCA

O Segredo da Joaquim Silva

Por João Paulo Cuenca

É noite e é a Lapa. Do outro lado da rua, a Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro nos guarda como um vigia gordo e cego. Capenga de uma torre, fachada opaca, a igreja por dentro é um bolo azul e dourado do século XVIII, com cristo envidraçado à esquerda do altar, uma ostra gigantesca por trás do padre que, baixinho, deita o último sermão do dia: “não busquemos entre os mortos quem está vivo...” A sua frente, cocurutos grisalhos ajoelham-se no solo.

Onde estou, não sinto o cheiro de mármore frio ou o conforto da palavra. Aqui, no Largo Nelson Gonçalves, há o ganido da freada dos ônibus, o papo dos engravatados esperando o concerto na porta da Cecília Meireles. Mendigos aliviam-se nas raízes das palmeiras anãs que encobrem o mural pintado da escola de música. Ao longe, por trás dos Arcos, a luz esverdeada e indiferente dos arranha-céus de granito flutua sobre nós.

Resolvo subir o beco entre o Ernesto e a Cecília. Vejo aquele mural na parede com João do Rio, Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Noel Rosa, Portinari e Di Cavalcanti. Gostaria de convidá-los prum chope ali na Flor de Coimbra. Procuro nos bolsos, giro o periscópio pelas outras paredes do beco e da Lapa – não os encontro.

Agora o desenho dos mortos dá espaço a graffitis, e, já na Joaquim Silva, frases como “Hexa Lapa”, “Brasil is beautiful” e, com destaque, “As noivinhas da Lapa são chapa quente”. Das janelas dos sobrados, chega o som abafado de atabaques e máquinas de escrever. Um carro de lixo passa pela rua, risca faixas rubras pelas janelas em círculo com sua luz de ambulância e desaparece, no passo lento de um rinoceronte de metal.

É quando uma nuvem de gafanhotos traz, pela escadaria da Manuel Carneiro, um senhor barbudo, sujo de graxa, erguendo trapos sobre o esqueleto pontudo. O velho me encara com olhos vidrados, a careca reluzindo o amarelo dos postes, e, com gestos de lorde britânico, aponta para a porta de uma pensão: “Ali dentro, você precisa ver!”. Sigo seus passos e...[AQUI COMEÇA A MINHA PARTE]ao ranger das dobradiças a porta se abre lentamente, o assovio de meus olhos é de espanto. Não via nada.

“Veja como é linda essa vela, tão alva e cintilante!” aponta para o nada o velho emendando “Eu a chamo de felicidade.”. A escuridão do corredor me fazia pensar em como deveria ser a vela, ou como deveria ser a felicidade. O velho dizia ser “alva e cintilante”.

Tinha vindo novo ainda para o Rio, viera com a mãe e as irmãs aos sete anos. Sua mãe morrera de tuberculose e ele se perdera alguns anos depois, não mais tendo visto as irmãs, “Mas sou dono dessa vela linda que você pode ver!” terminava sua história com um largo sorriso sem dentes. Sem dentes e cintilante.

Eu ficara mudo. Em momentos em que pensava em quantos papéis ainda tinha para ler e estudar eu não mais pensava em quantos dentes tinha. Agora aquele sorriso cintilava e me ardia os olhos, que pareciam ter se fechado por anos; aquela luz me cegava.

Em meio às palavras misturadas e confusas do velho, eu sentia o corredor mais claro, meus olhos se acostumavam aos poucos com a escuridão. Tirei um sanduíche embrulhado do bolso e partilhei com ele. Enquanto ele mordia o pão as migalhas voavam, e a cada pedaço engolido era um sorriso claro.

Eu já terminara o sanduíche, mas a fome ainda era enorme, parecia não comer há anos. Ao terminar a sua parte o velho se virou para mim e, junto ao largo sorriso, me abraçou fortemente. Abracei-o de volta enquanto uma lágrima escorria por meu rosto. Sentia-me como uma criança indefesa que a mãe pegava no colo, me sentia protegido do mal, protegido do mundo.
Após o longo abraço ele me olhou nos olhos e ao piscar dos meus ele não estava mais lá, me virei para a outra extremidade do corredor e uma luz fortíssima me cegou por alguns segundos; quando pude ver a fonte que me queimava os olhos, notei-a. Uma linda vela, alva e cintilante. Olhei-a por alguns segundos e saí. A luz da rua parecia a escuridão da noite, fechei os olhos e andei pelas ruas, como antes da vela, cego.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

BEIJO DA MORTE


O beijo do teu último sol nos queimou,

A rosa de um dia claro desabrochou e

A lágrima que escorre em teu rosto

Ao encontrar teus lábios

Arde a queimadura de teu sol

E se ajunta em poças formadas onde

Os espinhos de tua rosa passaram

E deixaram a marca de um

Inocente nascer transmutado num

Aterrado morrer.