quarta-feira, 23 de junho de 2010

E só

O homem é, antes de tudo, uma solidão.

Se eu parodio Euclides, não é pra dar credibilidade, é por necessidade. O nordestino é, sim, um forte, mas, assim como todos os homens, é também solidão.

Esse debruçar na beira da janela, com olhar perdido na fachada do prédio da frente, enquanto sonha que vê o mar, sempre aturde os pensamentos do cotidiano. É um fim de dia exaustivo, é uma tarde chuvosa, é um cobertor nos pés e um controle remoto nas mãos.
Quem sabe não foi obra do destino? Quem sabe o destino não esqueceu da obra?

O fundo dos olhos é um recanto tão único, mas tão só, que até ali o que há é reflexo. É a parte do corpo mais obscura, e dependendo da luz em volta, pode se esconder ainda mais.

A voz de um homem que viveu na rua por muitos anos é fraca, seus olhos são fortíssimos. Mas mesmo sibilante, ele não deixa de lado a força dos olhos. Ele me diz em tom decrescente:

- Ninguém quer ser visto como um fracassado.

Eu lhe pedira para tirar uma foto, pois fazia uma pesquisa sobre a vida dos que estão na situação de rua. Depois das poucas palavras e do olhar, não tive mais força pra dizer nada, a não ser pedir desculpa. Uma desculpa que ainda não foi aceita. Ele disse que tudo bem, mas eu não. Hoje ainda sinto a voz dele de vez em quando me dizendo aquilo. E o que eu faço com isso?
Nada. Continuo meu caminho enquanto ele volta a mastigar o sanduíche de mortadela carcomido.
Choro por dentro. E só. O só é a pior coisa do mundo. E só.

Outro homem, chamado José Carlos, me conta que passou mais de seis anos nas ruas. Nunca bebeu ou usou qualquer droga. Sua sina foi um problema grave nas pernas que o impediu de continuar trabalhando. Ficava deitado os dias e as noites em um pedaço de papelão, perto de um viaduto, onde se escondia da chuva nos dias mais difíceis. Mas, de tudo, uma coisa ele não esquece:

- Uma vez era noite de natal, a gente tava (ele e outras pessoas na mesma situação) deitado embaixo do viaduto, morrendo de fome, com um frio danado, e todo mundo junto, pra se esquentar. Aí, de repente, parou um carro a uns metros de distância, saíram uns adolescentes gritando e jogaram uma latinha de cerveja cheia de xixi na gente. O que eu fiz pra eles, meu Deus? Eu não consigo entender até hoje.

Isso é de uma solidão, de um vazio interno tão grande, que me faz sentir mais só, e como só...
O ser humano está em dacadência, dizem muitos, pois eu digo que sempre foi assim. olhemos para trás e vemos. O choro do passado nunca foi suficiente pra garantir o sorriso do futuro. E só.