segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Espalhado aos ventos do deserto

Venho de um caminho onde a areia é dura e áspera, onde ela é fortemente carregada pelo vento e não mede suas palavras, ela simplesmente arranha o rosto, estreita os olhos e assovia a sinfonia do deserto. Faço parte de um grupo não seleto de pessoas não sutis, que levam consigo a rudeza e a vida distante da leveza da Grécia antiga. Platão não foi meu amigo, nem por mim foi admirado. Mas foi amigo de um amigo meu...

Em poucos minutos entrará por aquela porta do café uma ruiva de olhos verde-amarelados, trajando um sobretudo bege, saltos altos e um echarpe elegante que lhe cobre o pescoço. Sua entrada será com o olhar para baixo e em seguida os óculos escuros lhe subirão ao topo da cabeça com um leve empurrar do indicador. Procurará por um rapaz, também alto, vestido num terno branco, um chapéu coco e sentado ao canto, fingindo que lê um livro sobre as trompas de eustáquio. Passarão a tarde conversando em um tom delicioso, o café jamais esfriará, a fumaça que dele sai ficará suspensa no ar entre os dois sem que eles vejam, mas forte o suficiente para que o cheiro não lhes deixe pedir outro.

As risadas mostrarão que os olhos dela na verdade são castanhos, o papo descontraído revelará que ele não usa chapeú coco. Seus olhares estão vidrados e charmosos, levemente aveludados pelo azeite do canapé, mas há alguns trinta centímetros de distância suficientes para não perceberem que ainda não tocaram nas torradas.

A vida em cima de um camelo é um tédio para os ocidentais, mas eles não percebem como é belo o ondular do caminho pelo deserto no lombo de um animal como esse. Eles nunca perceberam como é lindo andar de barco pelo deserto. As ondas de areia são as mais belas e vastas, porém as subidas e descidas são muito mais demoradas do que no mar. Eu me digno a dizer que minha rudeza de alma se dá pelo fato de não poder mover as montanhas de areia, mas minha grandeza de espírito veio da paciência de esperar a hora certa em que o vento abrirá nosso caminho.

Os dois presentes do encontro continuam a exalar a pureza de um lanche da tarde.Porém logo os relógios revelam sua pressão intravenosa e os olhares se espetam no pulso assassino. Está na hora de se retirar. De ambos. Se despedem com um breve até logo e caminham com um longo até quando?
A areia do deserto lhes bate no rosto ao saírem, mas não lhes machuca o suficiente. São do ocidente, demoram a perceber o valor da natureza. O Egito fica para trás. as pirâmides ficam largadas, guardando o simbolismo do renascimento abaixo de sete pavimentos em forma de labirinto.

Um pequeno menino cego corre perseguindo uma borboleta apenas guiado pelos outros sentidos quando esbarra no homem de terno branco e, ao ser ajudado para se levantar, exclama indignado:
- voce me fez perder a borboleta! Agora terei de esperar o assovio de mais uma tempestade ate que a reconheça novamente. - e saiu andando cabisbaixo.
O terno estava agora com uma pequena mancha de terra clara na altura das costelas, o homem coçava a nuca e caminhava com o chapeu na mão. O vento do deserto cantava e ele não sabia a que associar a música.

Daniel de Lima Fraiha


* ao homem de branco no deserto de areia